Sou o que sou

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Sampa, SP, Brazil
Sou terra, por ter razões. Sou berro, se aberrações. Sou medo, porque me dou. Sou credo, se acreditou

sábado, 31 de dezembro de 2011

Pequena reflexão para os fins-de-ano.



Que vivemos tempos difíceis, estamos cansados de saber.
Nossa memória não é a mesma, nossos corpos já não nos obedecem com tanta presteza...
Coisas inexoráveis da vida, não há como determos isso, é um fato.
Talvez seja por isso mesmo é que, no seu inverso proporcional, vemos e vivemos tempos superlativíssimos!
Tudo é e tornou-se necessariamente “super-extra-mega-blaster-hiper”!
Em redações não se usa mais uma exclamação ou interrogação: são muitas, exageradamente muitas, como que apenas uma já não pudesse expressar o espanto ou a dúvida inerentes!!!!!
Nada mais é apenas “engraçado”, é sempre “hilário”...Nada pode ser mais “bom”, “normal”, “sob medida”, “justo”, “adequado”...Tem que ser “extraordinário”, “magnífico”, “surpreendente”, “espetacular”, “incomensurável”, “surreal”, “íssimo”...
Li uma informação recente que um hotel defronte à “hiper-super-famosíssima” árvore de natal “gigantesca-super-blaster” na MEGAlópole Nova Iorque , cobrará 3500 dólares por cabeça para uma ceia-SUPER de mais um e simples réveillon, qual seja, mais uma “imponderável” e ínfima volta do planeta Terra, em seu eixo gravitacional maior, o Sol...
Tudo isso com exagerada festa, muita comilança e “bebelança”, numa verdadeira catarse e expurgo, com sorrisos escancarados, como se por um lado o mundo fosse acabar logo mais,e por outro como se a “felicidade” se espargiria “sine qua non” por toda a humanidade, já igualada automaticamente pela “alegria insana” deste momento de exagero festivo.
Isso me fez recordar de coisas do meu passado remoto.
A 1ª é que meu avô, imigrou da “vecchia Itália”,aos 19 anos, no começo do século 20, num navio de imigrantes, junto com centenas de outros aventureiros a tentar uma vida melhor em terras distantes e emergentes.
Meu avô, em sua terra natal era um artífice “Scarpaniere” , traduzindo, um “fazedor de sapatos” , ou seja, na acepção da palavra, um sapateiro!...Tudo muito simples, normal,justo e principalmente sóbrio.
Me lembro com carinho, com que simplicidade enfileirava no jardim na casa da rua Apeninos, a mim e meus primos (seus netinhos) , e com uma folha comprida de grama, media nossos pés, para depois nos presentearmos com sapatos feitos a mão por ele, no natal, ou mesmo sem nenhuma ocasião especial, apenas para o prazer de fazer algo especial por nós.
Outra recordação das boas é que, a meia-noite, era tradição em alguns bairros de São Paulo, principalmente os “colonizados” por aqueles mesmos imigrantes de outrora, já na sua terceira ou quarta gerações , sairmos as portas de nossas casas, a grande maioria sempre muito simples, geminadas e aconchegantes, com martelos nas mãos, a batermos nos postes, anunciando a chegada do ano novo, como se fossem sinos improvisados.
Não havia toneladas de fogos ensurdecedores, não havia programas de canais de televisões suspeitas atrás de “Ibopes”, com também suspeitos “artistas” e que tais, todos peremptoriamente vestidos de branco, ou outras cores suspeitamente simbólicas sabe-se lá de que e para que.
Não pulávamos 7 ondas, não comíamos 7 bagos, não entravamos nas águas marinhas de costas, nem de lado, nem de forma alguma, esperando um porvir certo de vitórias e felicidades todas, obrigatórias e imprescindivelmente inequívocas...
O que tínhamos eram apertos de mãos compromissados com amizade, parentesco e carinho.
Tínhamos abraços sinceros, nada efusivos, apenas quentes e sóbrios, a nos desejarmos ao futuro sequente equilíbrio, temperança, e uma vida condizente com probidade, proficuidade,tudo na medida certa, de acordo com as necessidades de cada um.
Pois é!...coisas muito simples, normais, singelas, sóbrias, que se tornaram superlativas para sempre, em nossas memórias.
Sem superlativos, nem doutorados, nem “MBAs”, nem empáfia, soberba e esquisitices hipócritas, nem arroubos emocionais descontrolados, num ataque de histeria coletiva sem precedentes...
Tanto é que, muitos de nós desejávamos uns aos outros, um “Feliz Ano Bom”.
Apenas bom, já estaria de justo tamanho!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Gueixa



oh! nívea gueixa
louco, é como me deixas...
me embriagam teus olhos puxados
pela pintura excêntrica, amendoados
ainda beijarei tua boca vermelha
da cor que vem da centelha
desdobrado em origami
me diga se há alguém
que, por aqui e acolá, mais te ame!

Enrola-me no teu dorso em sono
nas tiras apertadas de teu quimono
dopa-me com teu saquê sabor instinto
pois inda me embrenharei perdidamente
neste teu tênue labirinto...

oh! gueixa, eternamente discreta
que enfrentou insanos impérios
padeceu condescendente e quieta
amou escondida, nobres e samurais
segredou de todos, os nossos mistérios
e levou-os à tumba fria e reta
nos desvelos dos Titãs imperiais...

Até o Japão, desbravarei teus 7 mares
tirarei meus sapatos e ajoelharei
em teus esfumaçados altares
e depois, de aprender teus segredos
audazmente , mitigarei meu medos
e ao meu corcel em fuga, te içarei...

Deixa, minha serena gueixa
te tomar em meus intensos braços
me prender em teus doces laços
beber tua cristalina lágrima
abrir-te como adormecida crisálida
vem!... Preenche e doma
meus fecundos espaços
vem!...torna-me teu axioma...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Feliz Natal e Bom ano bom !



“Tenha certeza que o ano novo
será melhor
Viva a certeza que mais um dia
o sol irá nascer
É no caminho de nossas vidas
que a esperança se faz
É no trabalho que alcançamos
o poder de realizar

Todas as vidas serão brindadas
é só querer viver
Que o futuro se planta agora
pra se vencer o amanhã
Sempre tentar e insistir
aprendendo a não desistir
Sempre seguindo em frente
querendo e podendo alcançar

Todos os sonhos são do tamanho
da vontade de acontecer
para criar sempre um mundo melhor
é só acreditar...
para viver cada dia melhor
é só querer sonhar !”

sábado, 26 de novembro de 2011

Jão que sonhava


E então, era o Jão que sonhava
e sonhava, e sonhava, e sonhava
era Jão que sonha o sonho de ser remador
que sonhava em ser o mais forte semeador
e sonhava o sonho que vinha
viesse de onde vinha
dum cacho de uva ou d’outra sardinha
duma lata amassada ou vã ladainha
e sonhava, e sonhava, e sonhava
que tinha o sonho dum grande amor

Era então que sonhava o sonho de tolo
dum copo de sonho, um pedaço de bolo
e sonhava que a linha do seu horizonte
viesse como vinha, de trás de um monte
e sonhava, e sonhava, era o Jão que não tinha
era o Jão que não vinha, dum vinho de bodas
dum sonho, poucas bocas e rimas todas
e sonhava, e sonhava, era assim
como um sonho, de tolo risonho
era Jão que num sonho, sonhava tristonho

E então belo dia, de barriga vazia
sonhou o que sonhavam , de dentro da pia
que sonhava o sonho dum pão que não existia
e fazia, e queria, e pedia, e sofria
todo sonho sonhado, dum Jão que dizia
“que sonho faminto, minha Ave Maria !”

Era então que sonha o Jão
dum sonho de brisa, num danado calor
e sonhava, e sonhava e cantava
com todo sonho de fé e louvor
e falava, e chorava, e gritava
“Valhe-me meu Jesus Cristo,
que na sua cruz, morreu por amor,
me faz ver o que o justo tinha visto,
filho dos sonhos do Nosso Senhor !”

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ianê Mello entrevista Joe "Brazuca" Canônico (ou "Lustrando o ego II")


(Ianê Mello entrevista Joe Canônico, no blog Entre Gêneros)

EntreGêneros: "Sou terra, por ter razões. Sou berro, se aberrações. Sou medo, porque me dou. Sou credo, se acreditou."
Assim você se auto define, de forma poética, em seu blog. Fale-nos um pouco sobre você; sobre a pessoa além de seus versos.


JB: Bem, Ianê...Primeiro quero te agradecer a oportunidade da entrevista. Muito me honra, de verdade !
Falar da gente, sem cabotinismo, é tarefa complicada, pois pelo sim ou pelo não, o espelho é o que nos PARECE ser, e por muitas vezes tem reflexo distorcido ! (rs rs)
Eu, de uma forma palmar, sou um sujeito simples, sem maiores afetações, coisa e tal, tudo dentro de um viés mediano...
Não tenho nenhuma pretensão mais ou menos acirrada sobre a vida, a não ser vive-la ao meu modo (???...rs rs), e deixar viver cada qual ao seu !
Parece-me de bom tamanho, nessas alturas de minha existência terrena, seja lá o que signifique isso...

EntreGêneros: Você tem na música sua profissão. Como é viver em nosso país como profissional de música? Fale-nos um pouco sobre esse seu lado artístico e sobre as dificuldades que enfrenta.

JB: Bem...Na verdade, eu não vivo apenas de música, não. Apesar de ser, dentro de um universo próprio, talvez a mais importante delas (atividades...), hoje, no momento atual, se tiver que me “auto-rotular”, seria assim um “produtor multimídia”, onde abrangeria “n” correlatos, tais como produções em vídeo, áudio (em geral, e música inclusive), internet, enfim, numa “seara” de circunscrição mais vasta, além da música em si.
Contudo existe um porém aí : a PAIXÃO é por ela, indiscutivelmente ! (rs rs)
Aproveitando o gancho : as dificuldade para qualquer pessoa, brasileira, que pretenda sobreviver de sua arte, de uma forma séria e real, é sempre ungida de
grandes dificuldades e tormentos...Acredite nisso !
Se vale a pena ?...Isso já são “outros 500 cruzeiros”, ou como diríamos nós, os músicos, “outras fusas”...

EntreGêneros: Como começou seu namoro com a escrita? Quais suas leituras e autores inspiradores?

JB: Voce definiu bem ! Foi uma “paquera” ( coisa antiga isso...rs rs) , que virou um “namoro”, que virou um caso sério de amantes inveterados ! (rs rs)
Pelo que me lembro, aliás lembraram-me meus pais, que desde muito jovem, já dava lá minhas “tacadas” pelas sendas da poesia e que tais.
Na verdade, sempre gostei de “escrivinhar” , rabiscar minha coisas, assim como outros tantos da nossa espécie ( a humana...) assim o fazem !
E como sabemos, começa como comichão e acaba nos tomando como urticária,
com o perdão da comparação esdrúxula !
Quanto à “inspiração”, prefiro definir como “um vasto pomar abarrotado de frutos de todo matiz”...Dos muito bons, até os mais maduros, passando pelos extremamente verdes e pegajosos, até os “quase podres”.
Neste pomar, não há lugar, EM PRINCÍPIO ( desculpe o grito !...rs), para escolher sabores...Tem-se, a minha ótica, que se provar de todo fruto, e depois selecionar
os que, cada um a seu mote, lhe prouver !

EntreGêneros: Os sentimentos humanos são constantemente motivação e tema na escrita poética. O quanto você expõe de suas próprias emoções ao escrever?

JB: Isso dá uma exegese ! (rs rs)
Bem, em todo caso, é fácil...Procuro, de uma forma geral, “escapulir” desse “sentimentos” meus, próprios do humano, no momento que tento esboçar tais linhazinhas...
Por mais antagônico que nos pareça, eu procuro me abster delas, o mais possível, para que, de alguma forma, surja sempre algo mais próximo de um “racio-emocional”, ou seja, algo que esteja em sua minoria, vinculado ao meu “eu inferior”, meu “id”, o que ao meu ver, embota circunstancialmente de uma universalidade “saudável” à escrita, seja ela de que tipo for, prosa, poesia etc.
Particularmente, eu não acredito que, se consiga escrever “com a alma”, sem correr-se o risco de um “tropeção” no abismo de nossas autocomiserações e visões particularistas sobre os nosso próprios “universos”...
Mas, isso é uma verdade só minha, sem quaisquer alusões e/ou críticas a quem quer que seja, que pense diferente, e que escreva esparramando seu “emocional” pelo papel...

EntreGêneros: Joe Brazuca, Joe Canônico, são alguns dos nomes que você inventou para si mesmo. Prefere usar pseudônimos a seu nome real? Quantos "Joes" existem no artista e como se exprimem?

JB: (rs rs)...Então...
A resposta da pergunta acima, vem justificar, de uma certa forma, o “significado” de tantos “nick names”...rs
Realmente, tentamos criar “personagens de nós mesmos”, em nossas vidas e experimentações. Exatamente para desvincular a “persona” da “personificação” !
Contudo, no meu caso, existem explicações, que sejam :
Joe (nos dois casos...) é uma “corruptela” de João Eduardo, meu “verdadeiro” nome, mas NÃO É um nome “artístico”, que abomino tal expressão...rs. Seria apenas um “resumo facilitador”, mais identificável !
O “Brazuca” surgiu de uma “brincadeira” na internet, entre mim e o poeta/músico/multi-artista Lailton Araújo , grande amigo.E significa o que o próprio apelido quer significar : Joe, em BRASILEIRO, com muita honra !...rs
Já, o “Canônico” é sobrenome de família mesmo...Desse, nesta encarnação, não posso escapar !...rs
Os “Joes”, “são” apenas um enquanto corpo, mas infinitos vários, enquanto tentativas, acertos e erros...C’est la vie !

EntreGêneros: Em sua poesia você gosta de brincar com as palavras, tendo na criatividade sua marca registrada. A busca constante pela inovação exerce um papel importante na sua escrita? Escrever para você significa uma forma de auto-superação?

JB: Sempre, Ianê, cara poetisa !...A auto superação é, a meu ver também, o mote principal de toda e qualquer arte. Ai de quem fizer o contrário !...Daí, não será mais arte ! Será qualquer coisa, menos arte...No meu entender da “inutilidade” da arte, tudo que vem abaixo da auto superação, corre o risco da rudimentar especulação até o ridículo...
Quanto a “brincadeira” com as letrinhas, isso me fascina, tanto em mim (sem falsa modéstia...rs), quanto em tantos outros escritores que conhecemos, pois isso traz a SONORIDADE da palavra escrita, através da sua tradução falada, que por vezes, nada significam num contexto presumível, e na verdade, nem é para significar nada !...Apenas e tão somente, a MUSICALIDADE dessa mesma palavra que , por hora, perdeu o sentido crasso, para ganhar o sonoro, o lúdico, o poético...

EntreGêneros: " Todo escritor precisa de paz para sangrar", diz Fabricio Carpinejar. Esse pensamento se aplica a você?


JB: Putz !...é uma máxima do paradoxo da “criação” !...falou e disse, o Poeta Carpinejar ! Tô com ele e não abro !...rs rs

Muito obrigado, cara Ianê, um beijo !...Espero ter satisfeito o intento !

Joe “Brazuca” Canônico

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Marcelo Novaes entrevista Joe "Brazuca" Canônico (ou "Lustrando o ego")


(O Escritor/Poeta Marcelo Novaes entrevista Joe Canônico em 6 DE NOVEMBRO DE 2010)


MN: Bom conversar com um maestro, com quem sabe por trilha sonora na paisagem. "Joe Brazuca é terra", diz você. Em que grau, Joe? E qual a trilha sonora da paisagem que teu olhar enxerga?

JB: Novaes !...Primeiro deixa te agradecer publicamente ao convite!...Valendo muito !

Esse lance de trilha sonora é bizarro, sabe?...rs...
Me fez lembrar um professor de composição que tive na “facul” (rs rs rs...) que vivia dizendo que “compositores se medem pelo fôlego: se são bons, tem o fôlego longo, se ruins, o fôlego é curto” (conceito completamente fora de propósito, claro !...). Um belo dia, pra arrasar mesmo (sempre fui muito “ácido” em minha vida escolar e acadêmica), me levantei e “machuquei”: e os criadores de jingles geniais e super conhecidos, como é que ficam ?...Serão eles “compositores menores” por criarem estruturas composicionais perfeitas de no máximo 30 segundos ? Não deu outra: classe se esborrachou e o mestre me virou a cara por um bom tempo... O que valeu, foi que ele (ao menos nos pareceu à época...) começou a mudar seu conceito, pois trocou o seu bordão...

Joe Brazuca é terra por ter que viver nela, inexoravelmente! Pelo menos seu lado corpóreo, mesmo que, sua mente pseudo-poética, viva um bom tempo longe dela, sabe-se lá onde... Contudo ele é “Terra Total”, quando vê seu próximo sofrer os desmandos dos déspotas, e o aniquilamento dos direitos inequívocos do humano, a serviço do desumano... Quanto vê e sente o caminhar desenfreado das injustiças sociais e os perigos emergentes da Nau do mundo, que insiste estupidamente no equívoco do dualismo entre bombordo e estibordo, esquecendo-se que, a qualquer lado que aderne, corre sério perigo de afundar, esquecendo-se da importância da quilha central, que promove o equilíbrio... Quando vê crianças entre cavalos de aço, implorando migalhas à sociedade que lhe mostra solidárias, em propagandas de governos absurdas e caóticas, e nas telinhas brilhantes das TVs... Quando observa a fanfarra de uma sociedade hipócrita que nega a si mesma, absorvida pelo desejo nefasto de TER, pela prepotência de SER, e pelo esquecimento do FAZER e CRIAR...

A minha trilha ?...É a mesma que a sua...que a nossa...que a de todos os homens de boa vontade: igualdade em Sol maior / fraternidade em Lá sustenido / Solidariedade em Si bemol e Caridade em Dó maior...(rs)



MN: Quanto de absurdo cabe na tua escrita, Joe?


JB: Todo ele. Onde e quando e como estiver.O absurdo é meu universo, meu mote, meu lastro criativo ou pseudo-estrutural. É o cimento do meu caos individual e perpétuo. É a morte do meu mundo ectoplásmico. É minha antena enferrujada de maresia, sem anestesia, que captura a anti-matéria do inconsciente, do obscuro id.



MN: Você é "canônico” no sobrenome [João Eduardo Canônico], e também religioso. Você enxerga algum olhar enviesado quando assume a religiosidade na escrita ? O profano [ou profanador] é mais pop?


JB: O sobrenome é uma sina, um signo, uma senha... Fui premiado e/ou amaldiçoado com o meu!...rs. Contudo, a religiosidade contida nesse conjunto de letras, bem como sua livre tradução (cânon, cânones eclesiásticos, regras episcopais, e que tais...), não exprimem as minhas verdades e vertentes religiosas.

Religião vem de “religare”, e nós já nascemos ligados! E permanecemos ligados todo o tempo à “Nave-mãe”. Só teimamos em não perceber essa sutileza. É mais prático pensarmos em autonomia. Porque delibera e valida o livre arbítrio. Mas este, o livre arbítrio foi uma conquista compulsória.

Mas isso não é de certa forma, nossa “culpa” (ela sempre aparece nesses quesitos, inevitável...rs: as próprias religiões e seus dogmas fabricados é que nos afastaram, paradoxalmente, da verdadeira idéia de Deus e seus adjacentes. Ou seja, de uma forma palmar, o que era pra ser, não foi e vice-versa, ao contrário...o avesso do reverso: a "piece de resistance” do submerso.

Agora, o que muda é o caminho (como o arqueiro Zen, o que importa é o caminho e não o alvo...), o tipo de coligação, conceitos e preconceitos inerentes, coisa e tal... Daí é que entra o sacro e o profano, que hoje se misturam, tal como o politicamente correto e sóbrio, e o politicamente incorreto e anárquico... Mas não vejo nisso uma condição de dosagem no templo do pop, nem pra mais, nem pra menos...O pop é pela sua condição de não ser, e se auto-anula, não pelo profano, mas pelo contrário, pelo sacro.

O paradoxo que transmutou em paradigma. “Ecce Homo”.


MN: Quais as adjacências da tua escrita? A tua letra roça em que?

JB: Essas “writer-adjacências” são e estão às semelhanças de quem as roça, e vice-versa, reciprocamente equilibrado. Aliás, adjacências, roçar e que tais, soam um belo Tango!...É isso! Minha escrita, quando roça em que, ou em quem, está adjunta a um Tango ! ... Óbvio ululante. rs rs rs


MN: O que te ensina a "cúbica solidão"? [A solidão é cúbica em certa poesia tua...].


JB: A solidão é sempre um inteiro que tende em metade, dentro um quarto. Todo quarto é cúbico. Todo cubo é solitude inteira, ao quadrado. Silogismo auto-redundante-cíclico básico. Pura efeméride aritmética.



MN: Quais são suas "divas peroladas", nas artes? E com que escritores é bom conversar? Complementando, e melhor ainda: com quais é bom interromper a conversa?


JB: Qualquer arte (ainda não sei bem o isso significa...) que me espelhe ou espelhe as pupilas que me observam, tal como madre-pérola. Puro “state of art”. Puro êxtase divinal.

Converso com os escribas que me convidarem à interlocução, dependendo do nosso estado de espírito. Do meu, por compulsão, os deles, por conclusão. Estamos todos sempre procurando por alguém, todo tempo, mesmo que seja por nós mesmos.
No momento mantenho estreito colóquio com Dante Alighieri, Norman Mailer e Augusto do Anjos...

Graciliano Ramos e o Evangelho segundo o Espiritismo e “Quem somos nós”, são meus amigos de cabeceira, no momento. Intercalo conversas interessantes entre eles... ah! despendo todo tempo que posso, em muitos blogs de amigos, correligionários e circundantes: “blogo-esfera” das letras (e algumas dos sons...) são também pérolas nacaradas de rara beleza...!

Hoje em dia interrompo qualquer esboço de colóquio, em se tratando de embustes políticos sobre as questões intermináveis da Humanidade.

Com o perdão do termo chulo que logo se aproxima: tal como ações políticas nefastas acabam em “pizzas”, principalmente em países deficitários, diálogos políticos costumam acabar em merda. Não tenho nem mais idade, nem mais intimidades para isso. E olha que me considero um “homo politicus”!



MN: O músico tende a valorizar mais ritmos e aliterações [compassos e síncopes, "a música escondida na fala"] do que imagens?


JB: Sem dúvida. A palavra é a medida exata da sua sonoridade. Transmuta-se com o ritmo. Acasala-se com a harmonia. Quando a palavra aglutina-se ao “modus operandi”, do trinômio Melodia, Harmonia e Ritmo, cria-se uma situação única e irreversível à nível semiótico: ficarão completamente fundidas, quase como luz, quasar e matéria.

Imaginemos uma poesia. Depois que ela é musicada, jamais conseguiremos entendê-la da primeira forma. A recíproca é verdadeira.

Por vezes, uso este recurso, a aliteração, em meus trabalhos, às vezes também, algo que esbarra no “absurdo” (aquele, lá de cima...rs), mesmo que fuja o nexo, pois é provável que naquele instante, perante aquela verdade poética, a fonética é o que vogue.



MN: O poema cutuca o medo, apazigua, ou ambas as alternativas? Acha que a poesia é boa oração, ou pálido substitutivo de quem não sabe orar?



JB: Sem dúvida, ambas. O poema é um grito no escuro. Assusta tanto à vítima, quanto ao algoz. É adrenalina e Lexotan. Cafeína com Rivotril. LSD com marshmallow. Tudo concomitantemente sincronizado. Nada é funcional sem a emoção e tudo é emocional em sua função.O Poema é a exegese de si mesmo. Proposição semiótica da escrita e fala. Ensaio do palco do surreal.


A boa oração é a poesia de quem não sabe versejar.

A poesia, tal como a oração, é intrinsecamente insubstituível. É o codex do divino, sempre, seja ela como for, venha de onde vier, vá para onde queira. “Carmina Burana”, saca?

MN: Dos escritores, roteiristas e dramaturgos que você já leu [e eu sei que você gosta de roteiros e peças, como textos], quem [ou quais] colocou [/colocaram] mais musicalmente as coisas e as idéias, mesmo sem o pentagrama estar ali?


JB: Glauber Rocha, sempre.
Constantin Stanislavski, de uma certa forma.
Federico Fellini, incontestavelmente.
Píer Paolo Pasolini, algumas muitas vezes.
Luigi Pirandello, “comme il faut”.
François Truffaut, música pura

Obrigado, caro Novaes!

MN: Obrigado, Joe.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Israel (ou "os três sóis de Judá")


De qual Anjo
sairia
áurea lança ?
Qual das Mulheres
geraria
aquela criança ?
Em qual deserto
faria
aquela andança ?
Em qual terra
nasceria
toda esperança ?
De qual reino
surgiria
a vizinhança ?
De qual povo
brotaria
tal confiança ?
Qual tribo
bailaria
a célere dança ?
Para qual povo
se faria
a festança ?
De quem
irromperia
tal liderança ?
Qual Arca
guardaria
tão forte aliança ?
Em que Paraíso
perpetuaria
toda abastança ?
De qual José
se esperaria
tal bonança ?
Em qual das Marias
se plantaria
tal semente
de mudança ?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Futuro do pretérito (ou um espaço entre o nada e o lugar nenhum)



Depois de um espirro, enxergo o breu dos meus olhos em 3D
Zettabytes de emoções, que são tantas, como já disse RC
minha memória não é a mesma, mesmo a que está no HD
universos paralelos, íntimos zigotos, entre mim, eu e você

Depois que lavo as mãos é que ligo minha obscura TV
enxugo lágrimas de olhos vítreos, que nunca nada prevê
jatos de areia cintilantes riscam um intocável LP
sem fatos obstantes, nem ao menos dizendo o porquê

de fato, ela me achou um chato ou com cara de pato ?
ia fazer comigo , olhando pro seu belo umbigo, o que ?
Mais uma peça pro seu joguinho ruim à beça
assim, assado, tão mesquinho, pra encaixar no seu bilboquê ?

Hoje meu pescoço está me matando, problema de osso
a gente vai levando, com chazinho de tremoço e
biscoito Piraquê, mas só com manteiga de leve, sem patê !
E vê se não se atreve, voce não é uma leiga nem nada,
nem vem com queijo e goiabada que estou mais pra suflê !

O problema é que o que mata é a saudade
e não tenho mais idade pra esse tido de dilema
e minha preguiça já nasceu, diferente da lingüiça,
sem o sonoro trema, já dentro do esquema
de toda sua identidade...e daí ?

Brigo com irmão, sacristão e prima,
mas nunca perco a minha rima...
Economize papel, jogue fora essa poesia
mais triste que anestesia
desligue a impressora, esconda da professora
e não imprima...

sábado, 10 de setembro de 2011

Antípoda


(A QUEDA DE ÍCARO - Peter Paul Rubens, 1636-80.Óleo sobre tela. Museu de Arte Antiga, Bruxelas.)

Posso ser vil o quanto as flores me instiguem
Posso ser excelência o tanto me agucem os crimes
Deverei ser cruel o quanto me ensine
o azul do céu
Deverei ser caridoso o tanto que me mostre
todo mar lodoso
De minha doce boca sairá enxames
De minha compreensão se instaurarão ditames
De perversas palavras brotarão nações
de tão sórdidas, se louvarão canções
A cada passo ido, voltarei no tempo
e a cada atraso consentido atingirei meu intento
De cada bocada no alimento nobre
vomitarei aos borbotões, até que nada sobre
Minhas mais sinceras lágrimas
corroerão suas faces, como estigmas
Do meu odioso espasmo e grito
resplenderá à elevação, ao solene mito
do que haverá de mais bonito !

Já não colho mais flores, às suas mortes prematuras
Já não lustro os sapatos, à tirar-lhes o pó do tempo perdido
Já não enxugo as lágrimas, que lhe dissolveram os olhos e o rímel
nem tampouco me lavo e me seco, nem me benzo e exorcizo ...
Minhas asas se derreteram sob o deserto escaldante
e nem ao menos, tal como Ícaro,
alcei voo ao seu destino previsível e fatídico
Dédalo de mim mesmo, sigo seguindo meus sóis...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Poesia romântica (ou o amor e a cozinha...)



O que me recitas, oh !, evocativa amada ?
não careço mais de teus singelos versos
entrementes , talvez, teus ex -beijos incertos
que traziam em lábios, o calor, de tão perto
o "blend" em azafamas de açúcar e sal
de um sabor inexato , um tanto paradoxal
de uma bela nesga de queijo com goiabada !

oh ! minha doce, muito doce amada
eu que já estive em teus suaves abraços
nos tocamos entre lampejos e laços
escorregadelas ,mordidas e olhares devassos
agora me fazes desdém, e à galhofa
mais há de me convir, arroz com farofa
à guarnição de uma suculenta feijoada !

Há quanto, já antigos orgasmos não trocados
aqueles que espargiam essência de jasmim
noites em claro, entre dias inteiros passados
luas acesas ao dia, e à noite, sóis melados
hoje o que sobra são pratos enfadonhos
de gestos raquíticos entre atritos bisonhos
muito mais me interessa, comer à travessa
doce de ameixas pretas com pudim !

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Porquês


Por que chegou tão tarde
assim, sem fazer alarde
com estes olhos desenhados
só meio alegres
e inteiro amargurados ?

Por que sorriu tão linda
assim, tão cedo e ainda
mostrou teus bailados
e em meio a lábios,
me deixou na berlinda ?

Por que veio tão doce
assim, como num enlace
acenou beijos açucarados
e com trejeitos sábios
me levou ao impasse ?

Por que jogou esse charme
ateou fogo sem alarme
com esse corpo alado
de asas finas e leves,
e me deitou acabado ?

Por que dançou a música
assim, como fosse a única
jogou este olhar malvado
em encantos breves,
cedi completo e tomado ?

Por que revelou o que sinto
me prendeu em teu labirinto
alçapão enclausurado
desarmou meu passado,
e nem para mim mais minto ?

Por que tocou minhas notas
assim , tão castas e devotas
coração escancarado
despiu-me da alma às botas
me fez morrer hemorrágico,
sem ter sangrado ?

Porque chegou tão tarde
assim, sem fazer alarde...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Os duendes que vivem em minha cortina


Os duendes que vivem em minha cortina,
descortinam meu futuro , em sonhos.
Sonhos estranhos, estrangeiros, tristonhos.
banhados num pesado torpor ,qual morfina...

De dia, eles dormem jogados, à revelia
de noite cantam e dançam, pura arrelia
De dia se escondem, fingidos sorrateiros
de noite, trabalham como zombeteiros

Traçam meu futuro como bem desejam
desenham sarcásticos, meu lúgubre destino,
trançam barbas emaranhadas em desalinho
enlaçam as linhas tênues do meu desatino

Eles acreditam em minhas muitas mentiras
me espezinham sobre minha célebre idade
dilaceram minha carne já flácida, em tiras
escarneiam de qualquer átimo de verdade

Sobem sorrateiros e lépidos, sobre minha cama
fazem alarde, seja cedo ou tarde, maldade
me atrapalham o amor às possíveis damas
vem e vão, como chegam, ultrajam e partem...

Ao desdém, sádicos, falam toda besteira
andam de quatro, tortos, plantam bananeira
pulam, chacoalham, estorvam o tempo todo
sem medidas, de qualquer jeito ou modo

Fazem-me pesadelos, bastardos e infames
tiram-me o santo sossego da introspecção
forjam discursos, ordens espúrias em ditames
pesam em meu peito, forçam meu coração...

Os duendes que vivem em minhas cortinas
me anestesiam as pálpebras rotas e cansadas
arremessam longe minhas preces cabotinas
afugentam, como sempre, as mulheres
tão amadas...

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sete Tempos


Manda-me mais sonhos
ainda tenho muito sono
é cedo para camisa e gravata
os anjos rondam minha cama
e me arrumam as cobertas

Ferva-me mais água
o café, deixa que meço
é cedo para o banho quente
o aroma inunda a casa
e pede janelas alertas

Esquenta-me mais os ladrilhos
ainda visto macia flanela
é cedo para a porta e fresta
os sonhos inda persistem
fogem das horas certas

Banha-me de doce perfume
ainda de que breve escuma
é cedo para o baile e festa
o lenho que queima e aquece
trepida em faíscas dispersas

Arruma-me por sobre o leito
a roupa que o sol secou
é cedo para o pente em riste
o torpor que cai e esvanece
deixa por sombras discretas

Alinha-me sobre o peito
o pão que ainda existe
É cedo para a faca e corte
O leite de ubre e porte
escorreu por valas abertas

Lustra-me o couro pisado
ainda é pouco o brilho
já se faz tarde, ao que viestes
o corpo cálido que a lua velou
deita eterno em pedras concretas...

sábado, 21 de maio de 2011

O sono dos justos



Dorme criança, o teu sono brando
tens o sono que é dos justos
dorme que o futuro é incerto
sabes o coração aberto
desde que nasceste, até quando
lhe virão perversos sustos...

Dorme criança, o teu sonho alegre
que o sono é longo, mas a vida é breve
deixa, criança, o teu peito aberto
tem o coração sempre esperto
pois, por enquanto és quente
como, d'onde viestes, era o ventre...

Sonha criança, o teu sonho certo
de um porvir lúcido e contente
teu olhar pequeno, ainda é perto
pois és nada mais, tênue doce semente...

Dorme criança, o teu sono é casto
qual a pluma que te aquece e cobre
que o sonho é brilhante e nobre
d'um colorido perene e vasto
que se guarda seguro em alabastro...

Dorme criança, teu sono quietinho
inda o dia vem tímido e lento
recolhe-te por hora, em teu ninho
protege-te do implacável vento
dorme e não ouças o meu lamento...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sem dia para Nádia...



Nádia...
Não adie por mais nada
Há dias para onde e tudo
No dia em que mesmo o nada
Nem por tudo, se adia...

Nádia...
Nada disso é o bastante
Nada adianta ser, sequer
Adiar mais um instante
O dia que lhe aprouver

Nádia...
Adiar pouco adianta
ainda que seja um dia
Esse nada que adiante
pelo tudo, se anuncia...

Nádia...
Nada do que lhe cante
tendo o nada como um dia
adiar o tudo , à revelia
toda essa mera alegria
nada há, num dia, tão distante...

terça-feira, 10 de maio de 2011

para verbis ad verbium



eu iludo
tu foges
ele esconde
nós enganamos
vós alienais
eles sucumbem

quarta-feira, 9 de março de 2011

Dando o nó na gravata...


Perpasse tangencialmente o estirante
contornando o laço à frente
Segure as pontas para não entortar
bem como na vida da gente...
Com um dos dedos da mão direita
estique e segure a fita estreita
olhando sempre adiante
como quem "tipo", espreita...
Prenda firme no pescoço
não importa se velho ou moço
e já verá um esboço
o nó de uma vida se aproxima
bela figura, quanta estima,
te sentirás um pequeno colosso !
Dê duas voltas assimétricas
segure o fôlego, esqueça o poço
porque agora falta pouco
pra de repente, ficar louco
e cair numa crise histérica..
E, se não vier a conseguir um nó
e lenvantou somente muito pó
comece tudo de novo
tente botar em pé, um ovo
tenha em mente o espelho à frente
siga tentando bravamente
dê logo esse nó, meu amigo
ela chega até o umbigo,
é só um nó...Tenha dó !

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ave "Marias"

Ave Marias todas, mães dos cristos,
filhos todos de muitos pais...
Encha-nos os bornais, com tua graça,
esparja-nos todo teu Senhor que te habita...
Bendita é vossa terra-ventre, que sempre deu de todo fruto,
nem sempre todos como teu filho prodigioso, Jesus...
Santas de vários nomes todos, que és mãe de ti mesma
chora e ora por todos os que lhe saíram e sairão,
mais ou menos dias, inexoravelmente...
que venham sem pecados,
ou o mínimo que lhes caberão à sua sorte
desvia-nos daquelas que nos atinge a alma,
a falta do perdão, da caridade, da misericórdia
o amargor da verdadeira morte,

Assim seja !

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cantiga simples




Quisera eu poder fazer todas juras
não entoando mais que sete notas
com palavras simples, doces e puras
e que não soasse como reles lorotas

Pudera eu ser tão verdadeiro e nobre
não pulando mais que sete ondas
mesmo que usasse só de rimas pobres
e falasse do teu olhar, quando me sondas

Tivesse eu esse dom da simples poesia
e em versos cantaria todo meu ardor
somente com parcas letras te escreveria

Com o néctar doce e singelo duma flor
simplesmente poucas linhas te desenharia
com sete sílabas, “eu-te-a-mo-meu-a-mor”

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

substância



[a vista é rápida e delineia para sempre outros olhares
avessos, retrospectivos, refletidos, salientes...]

A cor marrom dos móveis antigos, prolifera
como o cheiro de cera que lhes conservam.
No céu, cinco pontos brilhantes giravam em ciranda,
em sentido estroboscópico.Imaculado era o mistério.
A ânsia adrenérgica tomava posse de nossos fôlegos,
e nossos lábios esboçavam um sorriso extasiado.
Nas montanhas distantes, que jazem perto do
rubro por de sol, outras naves pululam, num
jorro de luz e espanto.

“A vinda estava próxima” – anunciava o bailado das luzes.
Os tempos de revelações eram enfim, chegados.
Na infinda estrada longilínea, com o asfalto às costas
e o mar a frente , ventos sopravam o inusitado,
e os povos, dançavam uns, fugiam outros.
Nuns tantos, dominava o medo e a descrença, noutros
o desvelo e a esperança.
De qualquer forma, nada mais seria como até então tenha sido.
Começava o inevitável rito de passagem...

A chuva cai em estereofonia no tecido multicolorido do meu
umbrella, e o chão irregular molha minhas meias rotas,
enquanto o rito celebra o cordeiro, os grãos, o pão e
o vinho sobre a mesa entalhada em toalha bordada,
como o maná prometido ao cotidiano da paz e costumes.
[“santo, santo, santo”, sussurra o diácono , entoando o
mantra que vem do tempo...]
No mercado as gôndolas de frutas multicolorem o
passado eterno, às suas sementes, a seus pássaros...

Adonai !...Adonai !...gorjeia a nova ave aos velhos
povos. Ave verum dicte sun !...respondem em coro
as noivas e seus rebentos anunciados.O mar se acalma
e vira o espelho de cada um dos interpretes.
[sentados em círculo solene, repousam os anciãos guardiães
da velha arca, com suas barbas alvas e sábias]

[a mãe soluçava o filho ido]
as fúcsias formavam rios nas faces, e os olhos olhavam
o nada...A voz soava como vento fantasmagórico, sem nexo
Guarda !...Guarda !...lontano il cuore piangeva sensa sangue
secco per stringere la dona che volava morta...
[Luas de Plutão rodeavam o planeta, como átomos escravizados
pelas lanternas dos suicidas, em fila, nos umbrais do 3º céu,
sinfonias inacabadas]

Toda química lhe escorria pela testa e as lágrimas
pelo rosto e ventas.Provinha-lhe de poucas cores,
nos cabelos pregados em azáfama sobre o
couro cabeludo embebido em sangue.
Já não se lembrava mais das cebolas cortadas,
dos filhos paridos, dos pares partidos...
Já não sentia o fel da bílis vomitada
d’um vinho agro bebido em alguma cama...
Já não sentia o cheiro cigano do esperma que lhe
escorrera pelas coxas deitadas, semi-abertas
em direção aos lençóis de algodão barato...
No auge de seu ciclo, nem lembrava mais
das línguas que lhe tocaram o íntimo...
Morria aos poucos, sorria aos poucos,
em frente ao espelho enferrujado.

[o alquimista acende as vela e derrete o épico]
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