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Sou terra, por ter razões. Sou berro, se aberrações. Sou medo, porque me dou. Sou credo, se acreditou

domingo, 1 de fevereiro de 2009

PEQUENO ENSAIO SOBRE A VIRTUDE ( PARTE 1ª)


Prólogo

Tudo o que foi feito, feito está.
Não pode ser desfeito e nem refeito. Nem sequer mudado.
Isto é ilusão. Nem é mais ilusão. Inexiste.
Pois, já que foi feito, já causou efeito.
Se desfeito for, já não importa...
E se refeito for, já não será o mesmo.
Será outro diferente. Será novo.
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“Primeiridade”

Na cidadezinha mineira havia três praças em três níveis geográficos diferentes. A da matriz, a do meio e da entrada da cidade, mais embaixo.
O menino que passava as férias de meio de ano, iria ter com os seus tios-avós, já bem mais velhos. Casa antiga. Mais de cem anos, certamente.
Tio João lhe era o predileto.Magérrimo, pequeno, calvo e um belo nariz aquilino, peculiar à sua ascendência italiana. Tinha um tique: esfregava as mãos palma a palma, enquanto passava a língua pelos cantos dos lábios. Sinal de que já estava “altinho”.
Na praça do meio, na mesinha de pedra rústica, à sombra de frondosas, o menino teve seu batizado: a primeira cerveja tomada com carinho e com pastéis. Ensinada a cada gole, lentíssimo. Pra aprender a saborear e ultrapassar o amargo.Sem cara feia. Sentindo o efeito do gelo pelas goelas.Puro prazer.
Estava celebrado o início de uma vida, à experiência de outra já há tanto vivida.
Saudades muitas, tio João...
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O inesperado e concebido

O casal passava por dificuldades.
Esforço incondicional.
Filhos pequenos, vida complicada. Recomeço.
O menino adoecera na época do Natal: Hepatite.
E entendia perfeitamente o que se passava em sua casa. Tinha consciência plena e tranqüila que, naquele ano, não haveria presente algum.
Nem se importava com isso, pois sabia bem das vicissitudes pelas quais passava a família.
No dia 25 de dezembro, o menino levanta-se da cama pela manhã, pra ir ao banheiro.
Na volta, encontra no meio de sua cama, com as cobertas à surpresa, uma pequena caixa retangular, embrulhada pra presente.
Desembrulha-a.
Era um aeromodelo da Revell. Uma réplica perfeita de um helicóptero militar de 16 lugares, à ser montado. E que o menino adorava montar.
Fora o mais importante e expressivo presente já recebido pelo menino, de seus pais, em qualquer tempo.
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Il tempo per scherzare (tempo pra brincar)

A festa natalina rolava solta na casa da “matriarca”, a avó.
A família toda junta. Verão paulista de dezembro.Calor de rachar.
Tios...Primos...Irmãos...Visinhos...Uma “italianada” do alem.
E muito vinho, idem cerveja. Heresia permitida num país pra lá de tropical.
Comidas então, nem se fala. Menu indescritível.
Como toda boa família católica de origem italiana, até o cônego Olavo foi convidado.
Da igreja do bairro. Da comunidade.

Tio Chico ( Francesco) era personagem Felliniano. ( pra quem assistiu, o “ceguinho” acordeonista do “ E la nave vá” , quase igual). Autodidata de inteligência e cultura primorosas. Foi pra escola até o primário, Depois, trabalho.Alfaiate por ofício.
Contava que, entre outros tantos contos, quando criança em Rivello, província de Potenza, na Basilicata, ganhava alguns tostões ajudando a tocar o fole do órgão da pequena capela. Era trabalho e diversão. Ao Brasil, veio com 20 anos.
Sentavam todos, os primos e irmãos da 3ª geração, ao seu redor, ouvindo sua estórias alucinantes e brilhantes...Das viagens de suas leituras...Dante...Boccaccio.Da vida rica.
Sempre muito divertidas, por mais tristes que fossem.

E enquanto o cônego Olavo cantava junto com o tio José “Padre”, a “Santa Lucia”, a avó enxugava as lágrimas da saudade dos tempos idos. Já todos meio embriagados de vinho, suor, cerveja, cantoria, lembraças e lazagna ao molho “triplo burro” (três manteigas), com "porpetas" e "prosciutto crudo con radice"
As crianças na marquise da frente do casario, sentados no chão, se esborrachavam de rir com a cena da “Santa Ceia demodê ”.
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A face oculta

Na pequena "cova de palmos medidos" (JCMN), onde mal cabia o exíguo caixão, os coveiros forçam aos cabedais, o encaixe estreito e forçado.
Dentro dele, tia Zélia. Franzina tal qual sua derradeira barcarola.Somente seu vaso ja roto, do grande Oleiro.
Grande pedagoga. Enorme.
Intelecto, doçura e humildade exemplares, pelo seu mínimo.Deu sempre do seu máximo.À todos, sem distinção. Sempre.
Calou-se solitária com apenas alguns de seus “alguens”, ao seu lado.
Quem passou toda vida a ensinar e educar, aprende agora, a grande lição do sono eterno.
Com quem se encontrará ?...Certamente com Sonia, sua filha pródiga e única, grande pianista que partiu bem antes.
Manuel de Falla acalenta o sono. Uma de suas preferidas : Danza Ritual del Fuego ( El amor brujo)
e Chopin...Certamente, prelúdios.
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A inútil insistência do existir

É uma linha tênue...

Existir...Viver.

A vida é eterna. Atemporal.
Não depende da vontade do ser.

A existência é finita.
Tem sua curta jornada: começo, meio e fim.
O existir é tempo. Tem seu tempo.
Depende da vontade do ser, de viver, ou não.

Contudo, o tempo de viver é relativo à velocidade do existir.

O astronauta do futuro, agora no presente, viaja à velocidade da luz.
O seu tempo se alonga. Já não dura o mesmo tempo de seus observadores presos e estáticos, aqui na Terra ou onde for...
Um segundo torna-se dois. Ou três. Tudo no mesmíssimo instante. Num gráfico Cartesiano, forma-se a hipotenusa distorcida que prova a teoria misteriosa.
Hipotenusa, ora musa suprema e extrema do sonho...
extremo e latente....e insistente....da hipótese da transcendência atemporal do ser e existir.

Se o tempo tem a capacidade elástica de expansão através da mecânica...Burlando a cinética , terá o ser a capacidade de burlar a morte , com sorte , através da dinâmica ?
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Química, pura química...

Sobre tuas coxas escorre o néctar e o néctar lambuza meus dedos e os dedos escorrem por tuas coxas que produzem o néctar que lambuza minha língua que escorre a saliva nas tuas bocas cheias de néctar e de dedos que penetram em tua língua que lambuzam do meu néctar que penetram nas tuas bocas que misturam com seu néctar com a saliva dos teus dedos que penetram nas suas coxas que segregam no teu néctar de teus dedos em tuas coxas da minha língua com o meu néctar da saliva da tua língua que misturam com os dedos que segregam mais do néctar das tuas bocas em minha língua que passeiam no teu néctar e lambuzam os meus dedos que segregam em nossas línguas o meu néctar sobre as coxas que são tuas....
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À PROCURA DO TEMPO PERDIDO (ou a saga humana pintada por Marcel Proust...)

Olho para traz e já...vejo apenas três dias...o antes, ontem e hoje.
Sem nada para que me prenda ou de que me despoje
Somente relâmpagos etéreos que iluminam a névoa da lembrança
Dias poucos, dias íntimos e desprovidos de nenhuma esperança...
Ao sabor do nada e de imagens desconexas, penduradas no varal da nossa história;
Decantando os lençóis amarelados, cor sépia refletidos na umidade da memória...
Brisa outrora suave e morna que agora em vendaval se transforma
Gélido e cortante tão distante e antigo, que nossa face deforma...
Quão vaga e tênue é a branda visão que alucina, e paira?
Se no desvelo da noite negra surgem novos açoites
Querendo forçar-nos ao lúgubre manto intangível da noite
Aonde se vão os suores flácidos e miríades do que baila?
Sempre que outrem anseia, a dúvida amarga do estar sendo...
E, à sombra se deita sedenta por se estar querendo
Todo cantil que o passado exala e contamina a garganta
Na doce calma da eterna alma que se levanta...

2 comentários:

cisc o z appa disse...

joe,
caríssimo joão...

com que habilidade
(a ternura, a da lúcida vida dura?)
que lacrimeja
(aquelas sementes de nossa senhora)
de/clamas
(chamas e fogo)
descreves
(aqui o zelo, acompanha o consumo da vela)
memórias tão belas!

evoé!

volto para mais!

Anônimo disse...

Na pequena "cova de palmos medidos" (JCMN), onde mal cabia o exíguo caixão, os coveiros forçam aos cabedais, o encaixe estreito e forçado.

A Face Oculta

A morte poetisada com encanto...

Hearth of peach

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